sexta-feira, 1 de julho de 2011

Abordagem crítica e construtiva da avaliação da aprendizagem.

Esdras do Nascimento Ribeiro.

Segundo a visão de Cipriano Luckesi a respeito da avaliação da aprendizagem nas escolas brasileiras, ainda praticamos exames escolares ao invés de avaliação da aprendizagem. A seguir, relacionarei as características relevantes ao ato de examinar e ao ato de avaliar para que possamos ver de forma mais nítida que tipo de abordagem avaliativa praticamos em nossa sala de aula.
Os exames escolares apresentam as seguintes características:
1°- Objetiva julgar, consequentemente resulta em aprovação ou reprovação do aluno;
2°- Pontuais, na medida em que o estudante deve saber respondar às questões, aqui e agora, não importando seu teve dificuldade ou dúvida, não importando a possibilidade de futuramente poder aprender;
3°- São classificatórios, pois estabelecem uma escala de valores favoráveis e não favor´´aveis;
4°- Tornam-se seletivos na medidade em que excluem os estudantes considerados não aceitáveis;
5°- Classificam o estudante em um determinado nível de aprendizagem, considerando-o definitivo, dessa forma, consequentemente são estáticos;
6°- Configuram-se antidemocráticos, uma vez que a exclusão de alunos é inevitável neste contexto;
7°- Possui uma prática pedagógica autoritária na medida em que o educador usa da avaliação como instrumento de poder;
Em oposição aos exames a avaliação da aprendizagem apresenta as seguintes características:
1°- Objetiva diagnosticar a situação de aprendizagem em que se encontra o educando, tendo em vista encontrar meios para melhoria da qualidade do desempenho;
2°- É diagnóstica e processual, na medida em que acredita que avaliação opera com resultados provisórios, que podem ser melhorados e sucessivos;
3°- Apresenta-se dinâmica, ou seja, não classifica o aluno em nível de aprendizagem definitivo;
4°- É inclusiva, pois não seleciona, mas procura meios para que todos possam aprender;
5°- Democrática;
6°- Exige uma prática pedagógica dialógica onde educadores e educandos pactuam por um trabalho construtivo entre todos os sujeitos da prática educativa, cabendo essencialmente uma interação permanente entre educador e educando;
Ao compararmos as características de ambas as abordagens da avaliação,começamos a identificar de forma mais clara que tipo de abordagem avaliativa está sendo praticada em nossas escolas. No entanto, é preciso considerar que o trabalho de avaliação nos serve de uma abordagem complexa da realidade, o que implica em dizer que a má qualidade de ensino dificuldade a execução do papel do educador.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Dimensões de abordagem sobre o ato de ensinar em algumas manifestações do pensamento pedagógico.

A prática de finalidades sociais da escola é muito recente e ocorreu aproximadamente há pouco mais de dois séculos. Na Antiguidade e na Idade Média a educação estava primordialmente atrelada a classe social privilegiada (os homens livres e/ou os nobres), cumprindo sua função conservadora de educação do ao qual lhe foi atribuído, transmitindo visões que atendiam às necessidades da época.
Sócrates, Platão, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino foram os primeiros a  compreenderem as expressões filosófico-pedagógicas na Antiguidade e Idade Média.
Na Idade Média a prática educativa enfatizou a formação do homem como ser imperfeito buscando a perfeição, esta prática educativa visava retirar o ser humano da condição de pecador e conduzí-lo a salvação da alma. No período de transição entre a sociedade feudal e a capitalista, Comênio (1592-1670) escreveu a Didática Magna (1657) onde expressa sua concepção de didática como processo seguro e excelente para instruir. Para o pensador, a escola é uma verdadeira "oficina do homem". Assim que a burguesia surgiu trouxe a necessidade de um novo cenário educacional, aquelas concepções vigentes durante a Idade Média foram superadas pela ideia de "individualidade" e do "desenvolvimento humano", às relações sociais de trabalho caminhavam agora para instruir uma sociedade voltada para a produtividade e consumo.
Herbart (1776-1847), denominado de pai da moderna ciência da educação, iniciou o processo de sistematização da ciência pedagógica, até então como atividade prática. O teórico define ainda que a educação moral como forma de desenvolver na alma da criança uma inteligência e uma vontade adequadas.
Segundo Herbart, o desenvolvimento do caráter da criança é definido em três estágios: sensação e percepção; memória e imaginação; julgamento e conceitos universais. Com essa compreensão, o ensino herbatiano enfatiza a literatura e a história, visando apresentar à criança a vida dos grandes heróis, suas experiências e representações, para que possa perceber, compreender e formar julgamentos em situações complexas.

Pela primeira vez é formulado um esquema de cinco passos formais a serem seguidos pelo professor na instrução:
1°- O professor deve recordar os conhecimentos já aprendidos;
2°- O novo conhecimento é apresentado;
3°- Compara-se o novo ao velho conhecimento, encaminhando para a assimilação;
4°- Chega-se a generalização;
5°- Efetiva-se a aplicação em exercícios;

Após Herbart, Dewey surge propondo a renovação da escola alterando a abordagem das finalidades da prática pedagógica. Dewey propõe a criação de uma "escola nova" com a finalidade de direcionar a criança para melhor compreensão do que é aprendido, onde o professor deve voltar o ensino não para a transmissão/assimilação dos conteúdos, mas torná-los atraentes, facilitar a aprendizagem e desenvolver aptidões, interesses e a criatividade do aluno, visando atender os anseios da sociedade.
O teórico critica ainda o modelo de ensino tradicional onde o professor é o centro da transmissão de conhecimentos. Sua concepção funda-se na mente e na inteligência humana evoluindo em situações práticas e sociais de vida. Neste caso, o ensino deve procurar adaptar a matéria de estudo às necessidades atuais da vida individual e social do aluno, partindo dos seus interesses e experiências. Assim com Herbart, Dewey disponibiliza cinco passos didáticos a serem seguidos pelo professor:
1°- Atividade do aluno;
2°- A definição de uma problemática de estudos;
3°- A coleta de dados;
4°- A elaboração de hipóteses;
5°- A experimentação;
Para Skinner é importante considerar a influência do ambiente sobre o organismo. Skinner propõe que para alcançar o controle do comportamento do aluno, deve-se manipular o reflvidaorço com considerável precisão e modelar a resposta desejada, segundo o controle de vários tipos de estímulos, por meio de máquinas de ensinar e da instrução programada desenvolvida em laboratório.

"Competências é a capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles. (Pirrenoud 1999, pp-7-8)".
Para o autor, ser professor significa focalizar o aluno, criando situações para aumentar as probabilidades de aprendizagens e utilizar métodos ativos de ensino para desenvolver os conhecimentos, habilidades e atitudes pretendidas. Essa concepção é concebida em dois sentidos:
1°- Nova relação do professor com o saber: não se trata de expor de forma eruditca e metódica o conhecimento de determinado assunto, mas utilizá-lo como recurso para identificar e resolver problemas, preparar e tomar decisões; não se trata em transmitir conhecimento numa ordem lógica, mas de lidar com a regulação do processo de aprendizagem e com a construção de problemas de complexidades.
2°- Que o professor trabalhe regularmente com problemas: é preciso criar condições/situações para o aluno confrontar-se com dificuldades específicas, bem dosadas, apredendo a superá-las; deve-se exigir o alcance de metas, resolver problemas, tomar decisões e regular a aprendizagem, confrontá-lo com problemas numerosos, complexos e realistas, trabalhando sempre por meio de situações-problemas;

Didática e Ensino: relações e pressupostos.

Esdras do Nascimento Ribeiro.

O ato de ensinar muitas vezes é abordado pela escola do ponto de vista da alteração das relações entre o professor, o aluno, o conhecimento, os procedimentos, os recursos e as tecnologias. Esta visão critica o modelo tradicional centrado na diretividade do professor para transmitir conhecimento ao aluno. A didática deve ser compreendida pela concepção do ato de ensinar que evidencia o professor como transmissor direto de conhecimentos específicos.
A prática pedagógica desenvolvida na escola não pode está desvinculada de uma prática social ampla, caso o contrário o professor apenas estará executando meras práticas pensadas e decididas por outros. A didática tem como objeto de estudo a arte de ensinar, constituindo-se também em área de conhecimento, que trata das relações colocadas entre as finalidades do ensino e a prática social mais ampla.
O movimento de reconstrução da didática teve sua origem na perspectiva de "multidimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem" e coloca a articulação em três dimensões: técnica, política e humana, no centro de sua temática. (Cabdau 198, p-21).
Segundo Veiga, foram identificados diferentes períodos na trajetória da constituição da didática:
1°- A didática é abordada como um conjunto de regras, visando assegurar aos professores as orientações necessárias ao trabalho docente. A atividade docente aparece autônoma face à política. Temos então uma didática que separa a teoria da prática, disassociação entre questões da escola e da sociedade (visão tradicional);
2°- Num segundo momento a didática é abordada de forma em que a prática e a teoria são justapostas e o processo de ensino-aprendizagem é compreendido como processo de pesquisa/investigação (Pedagogia Renovada/Escola Nova);
3°- Posteriormente a predominância dos processos metodológicos em detrimento da própria aquisição do conhecimento marca este terceiro momento da didática, voltando-se para as variáveis do processo de ensino (Pedagogia Tecnicista), temos então um enfoque-renivador-tecnicista em que a didática está voltada para o processo de ensino sem considerar o contexto políyico-social;
4°- Por fim surge um elemento inovador no ato de ensinar, a organização racional do processo de ensino, planejamento didático, materiais instrucionais, livros didáticos descartáveis (Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos);

sexta-feira, 10 de junho de 2011

TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NO BRASIL E A DIDÁTICA.

Esdras do Nascimento Ribeiro.

As tendências pedagógicas no Brasil surgem divididas em duas vertentes, as de cunho liberal (pedagogia tradicional, pedagogia renovada e o tecnicismo educacional) e as de cunho progressista (pedagogia libertadora e a pedagogia crítico-social dos conteúdos).
A Pedagogia Tradicional é normativa, centrada no professor e seu meio principal de ensino é a expressão oral e exercícios repetitivos, neste contexto a formação do aluno é desvinculada a sua realidade concreta, busca-se a formação de aluno ideal, onde os conteúdos de ensino estão desligados dos interesses dos alunos ou problemas reais da sociedade e da vida. A aprendizagem é receptiva, automática, sem mobilizar a atividade mental do aluno e o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais. A didática tradicional tem resistido ao tempo, mas conservando um ensino de mera transmissão de conteúdos, sobrecarregando o aluno e esquecendo de suas boas intenções (transmissão da cultura geral, formação do raciocínio, treino da mente e da vontade).
A didática da Escola Nova tem o aluno como sujeito da aprendizagem, o professor deve colocá-lo em condições propícias de buscar por si mesmo conhecimentos e experiências. A Escola Nova valoriza o processo de aprendizagem e os meios que possibilitam o desenvolvimento das capacidades e habilidades do aluno, além do trabalho em grupo, atividades cooperativas, estudo individual, pesquisas, projetos, experimentações, etc. Esta didática ativa visa a formação de um pessamento autônomo, no entanto é raro encontrar algum professor que aplique inteiramente este método, seja por falta de conhecimento ou condições estruturais, a consequência é a perda de seu objetivo principal que é levar o aluno a pensar, raciocinar cientificamente, desenvolver sua capacidade de reflexão e independência de pensamento.
A didática moderna reconhece o aluno como fator pessoal decisivo na situação escolar, o professor tem o papel de incentivador, orientador e controlador da aprendizagem, organizando o ensino em função das reais capacidades do aluno.
"Didática é o conjunto de atividades exercidas, em sucessão ou ciclicamente pelo professor, para dirigir e orientar o processo de aprendizagem dos seus alunos, levando-o a bom termo. É o método em ação. (Mattos)."
 O Tecnicismo Educacional foi inspirado na teoria behaviorista da aprendizagem e na abordagem sistêmica do ensino, imposta pelos organismos oficiais, ganhou força no regime militar, predominando nos cursos de formação de futuros professores com caráter meramente instrumental, afim de formar mão-de-obra rápida e barata.
"As tendências de cunho progressista só passam adquirir maior solidez e sitematização por volta dos anos 80".
 Tanto a Pedagogia Libertadora quanto a Crítico-Social preocupam-se em formular propostas e desenvolver estudos no sentido de tornar possível uma escola articulada com os interesses do povo. Essas duas tendências progressistas, propõe-se a uma educação crítica a serviço das transformações sociais e econômicas, ou seja, superando as desigualdades sociais decorrentes do sistema capitalista.
A Pedagogia Libertadora está centrada na discussão de temas sociais e políticos, o professor é coordenador das atividades que organizam sempre em ação conjunta com os alunos, este método é mais empregado na educação entre adultos, uma vez que  vivenciam uma prática política, social e econômica de forma mais direta.
Para Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos a escola pública cumpre a sua função social e política, assegurando a difusão dos conhecimentos sistematizados a todos, como condição para a efetiva participação do povo nas lutas sociais. Esta tendência pedagógica atribui ao ensino o papel de proporcionar aos alunos o domínio de conteúdos científicos, métodos de estudos, habilidades e hábitos de raciocínio científico, de modo a formarem uma consciência crítica face às realidades sociais, capacitando-os a assumir uma condição de agentes ativos de transformação da sociedade e de si próprio.

LIBÂNEO, T.C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.













SOBRE A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS, DE GARDNER

Leandro Kruszielski

Trabalho apresentado à disciplina de Psicologia da Aprendizagem,
da Universidade Federal do Paraná (1999)

Existem teorias científicas que revolucionam o modo de pensar de determinada área do conhecimento. Outras ganham espaço na mídia em geral e, consequentemente, são reconhecidas pelo grande público. A teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner (pesquise livros e preços de edições brasileiras) parece estar enquadrada nos dois casos.
Existem teorias científicas que revolucionam o modo de pensar de determinada área do conhecimento. Outras ganham espaço na mídia em geral e, consequentemente, são reconhecidas pelo grande público. A teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner parece estar enquadrada nos dois casos.
Este fato acarreta vantagens e desvantagens. A grande vantagem, neste caso, é a mudança de pensamento de pessoas que normalmente não tem acesso ou interesse em artigos científicos. A desvantagem encontra-se no fato de que, ao tornar-se uma teoria "popular", correria riscos de ser tratada superficialmente permitindo que os eventuais erros fossem expostos sem uma análise mais crítica.
Pensando desta maneira, o presente trabalho pretende apresentar de forma sucinta a teoria das Inteligências Múltiplas e realizar uma breve análise crítica da teoria, enfocando principalmente o aspecto neuropsicológico inserido nela. Por esta razão, durante a exposição da teoria em si, embora mantendo fidelidade ao conteúdo original, serão utilizados outros autores para fundamentar as inteligências em seu aspecto cerebral. Fundamentando-se assim, poderá acontecer uma crítica mais consistente por estar enfocada em determinado aspecto, que anteriormente foi destacado na apresentação da teoria.

2. A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS
Em 1900 o psicólogo francês Alfred Binet foi solicitado para que desenvolvesse uma medida de predição do sucesso escolar de crianças das primeiras séries. Desta forma surgiu o primeiro teste de inteligência. Tal teste tinha por finalidade geral diferenciar crianças retardadas e crianças normais nos mais diferentes graus. Após a I Guerra Mundial, onde o teste de Q.I. (Quociente Intelectual) foi utilizado para medir a inteligência dos soldados, tornou-se muito popular sua aplicação.
Com a popularização do teste, propagou-se a idéia de inteligência nele inserida. A inteligência seria única, estagnada, passível de ser medida quantitativamente. Segundo GARDNER (1995, p. 21), autor da teoria das Inteligências Múltiplas que veremos a seguir, segundo esta visão tradicional: "a inteligência é (...) a capacidade de responder a itens em testes de inteligência". Os testes psicométricos consideram que existe uma inteligência geral, nos quais os seres humanos diferem uns dos outros, que é denominada g. Este g pode ser medido através da análise estatística dos resultados dos testes. É importante acrescentar que tal maneira de encarar a inteligência ainda hoje está presente no senso comum e mesmo em muitas parcelas do meio científico.
Porém podemos observar que durante todo o século XX, vários psicólogos e cientistas de outras áreas do conhecimento fizeram fortes críticas aos testes de Q.I. Vygotsky, por exemplo, apontou o erro no que diz respeito aos testes de inteligência abordarem as zonas de desenvolvimento proximal de modo errado. Piaget trabalhava com tais testes, mas a sua atenção era voltada para as linhas de raciocínio das crianças, não para as respostas dadas. Estudando as respostas erradas e os raciocínios que conduziam a elas, Piaget construiu parte de sua teoria. Ao criticarem o modo como era medido a inteligência, o próprio conceito de inteligência contido em tais testes era também criticado.
Entretanto uma proposta mais revolucionária surgiu recentemente através de Howard Gardner, psicólogo e professor norte americano. GARDNER (1995, p.14) entende por inteligência "a capacidade para resolver problemas ou elaborar produtos que sejam valorizados em um ou mais ambientes culturais ou comunitários". A novidade dentro da teoria de Gardner é considerar a inteligência como possuindo várias facetas. Tais facetas, que na verdade são talentos, capacidades e habilidades mentais; são chamadas de inteligências na teoria das Inteligências Múltiplas, como o próprio nome explicita.
Antes de discorrer a respeito da teoria e das diversas inteligências vale lembrar de um curioso incidente que aconteceu em nosso país antes de Copa do Mundo de 1958. O Brasil possuía seu primeiro psicólogo esportivo, João Carvalhaes, que atendia a seleção brasileira de futebol. O psicólogo resolveu aplicar em todos os jogadores testes de QI. Garrincha, que estava no apogeu de sua carreira, após responder os testes ficou sabendo que seu quociente intelectual era irrisório, sendo classificado como débil mental. Por este motivo quase foi impedido de participar da Copa. (MODERNELL, 1992, p. 56)
Ninguém duvida do talento que possuía este atleta quando se encontrava no meio de um gramado com a bola nos pés. Todavia, o teste psicométrico de inteligência indicava Garricha como uma pessoa sem grandes chances de ser bem sucedido em sua vida, o que não correspondeu à realidade. Fica claro que os testes de QI predizem apenas como vai ser o desempenho escolar e não o sucesso profissional depois de concluída a instrução formal.
É dentro desta perspectiva que Gardner apresenta a teoria das Inteligências Múltiplas (IM). Os testes de QI medem apenas as capacidades lógica e lingüística, capacidades que normalmente são as únicas exigidas e avaliadas pelas escolas e, sem dúvida, as capacidades mais valorizadas em nossa sociedade. Gardner pretende considerar também as outras capacidades, as outras "inteligências" menos lembradas, para analisá-las em sua teoria.
Para selecionar quais as inteligências que seriam trabalhadas em sua teoria foram utilizadas diversas fontes: as informações disponíveis sobre o desenvolvimento normal e o desenvolvimento do indivíduo talentoso; estudos sobre populações prodígios, idiotas sábios, crianças autistas, crianças com dificuldade de aprendizagem; dados sobre a evolução da cognição; considerações culturais comparadas sobre a cognição; estudos psicométricos; estudos de treinamento psicológico e principalmente análise da perda das capacidades cognitivas nas condições de lesão cerebral. Foram consideradas inteligências genuínas apenas as inteligências candidatas que satisfaziam todos ou, pelo menos, a maioria dos critérios acima. Além disso cada inteligência deveria ter uma operação nuclear ou um conjunto de operações identificáveis e deveria também ser capaz de ser codificada em um sistema de símbolos. (GARDNER, 1995, p. 21-22)
Deste modo, foram selecionadas sete inteligências em particular: lógico-matemática, lingüística, musical, corporal-cinestésica, espacial, interpessoal e intrapessoal. Cada uma delas será analisada separadamente.
2.1 INTELIGÊNCIA LÓGICO-MATEMÁTICA
Como o próprio nome indica, a inteligência lógico-matemática é a capacidade lógica e matemática, assim como a capacidade de raciocínio científico ou indutivo, embora processos de pensamento dedutivo também estejam envolvidos. Esta inteligência envolve a capacidade de reconhecer padrões, de trabalhar com símbolos abstratos (como números e formas geométricas) assim como discernir relacionamentos ou então ver conexões entre peças separadas ou distintas. Relaciona-se, também, à capacidade de manejar habilmente longas cadeias de raciocínio, elaborar perguntas que ninguém fez, conceber problemas e levá-los a diante. Juntamente com a linguagem, é a principal base para os testes de QI. O desenvolvimento de tal inteligência foi o grande objeto de estudo de Jean Piaget.
Tal inteligência possui uma natureza não-verbal, de modo que a solução de um problema pode ser construída antes de ser articulada. Alguns idiotas sábios realizam grandes façanhas de cálculo sem sequer saberem comunicarem-se ou até mesmo realizar simples operações de adição ou subtração. Como dois gêmeos relatados por SACKS (1997, p.217) que apenas vêem a resposta do problema: "Uma data é mencionada e, quase instantaneamente, eles informam em que dia da semana ela cairá. (...) Eles também podem dizer a data da Páscoa durante o mesmo período de 80 mil anos." Enquanto tais gêmeos são tragicamente deficientes em diversas áreas, conseguiram realizar um algoritmo para a data da Páscoa que até mesmo o grande matemático Gauss teve uma enorme dificuldade para descobrir. Possuem uma inteligência lógico-matemática extremamente desenvolvida.
A região do córtex responsável pelo cálculo matemático em si e, provavelmente, pela inteligência lógico-matemática situa-se na região têmporo-paríeto-ocipital do hemisfério esquerdo. (LURIA, 1981, p. 25)
Está presente nos cientistas, programadores de computadores, contadores, advogados, banqueiros e matemáticos.
2.2 INTELIGÊNCIA LINGÜÍSTICA
A inteligência lingüística é manifestada no uso da linguagem (seja ela escrita, falada ou através de outro meio), no significado das palavras; pela capacidade de seguir regras gramaticais e usar a linguagem para convencer, estimular, transmitir informações ou simplesmente agradar. Ainda é responsável por todas as complexas possibilidades lingüísticas, entre elas, a poesia, as metáforas, o raciocínio abstrato e o pensamento simbólico.
São duas as principais áreas corticais responsáveis pela linguagem. A área de Wernicke (lobo temporal do hemisfério esquerdo) é responsável pelo entendimento da linguagem e a organização das palavras. A área de Broca (giro pós-central do hemisfério esquerdo) cuida da articulação da fala, da produção da linguagem expressiva. Ainda contribuem para a linguagem a região têmporo-ocipto-parietal responsável pela organização gramatical e o hemisfério direito para criar o ritmo, entonação e fluxo da fala. (SPRINGER; DEUTSCH, 1993. p. 184-186).
Nos poetas, teatrólogos, escritores, novelistas, oradores e comediantes podemos encontrar a inteligência lingüística bem desenvolvida.
2.3 INTELIGÊNCIA MUSICAL
Esta inteligência baseia-se no reconhecimento de padrões tonais (incluindo sons do ambiente) e numa sensibilidade para ritmos e batidas. Inclui também capacidades para o manuseio avançado de instrumentos musicais.
Não podemos separar para a inteligência musical determinadas áreas corticais como fizemos para a inteligência lingüística. Mas sabemos que o hemisfério direito, principalmente o lobo temporal, é o encarregado da audição e da criação musical. Uma lesão maciça neste hemisfério pode levar a uma amusia: o lesionado não consegue perceber combinações rítmicas ou até mesmo entonações de voz. (LURIA, 1981, p. 112)
É destaque dos músicos, cantores, compositores e maestros.
2.4 INTELIGÊNCIA CORPORAL-CINESTÉSICA
A inteligência corporal-cinestésica está relacionada com o movimento físico e com o conhecimento do corpo. É a habilidade de usar o corpo para expressar uma emoção (dança e linguagem corporal) ou praticar um esporte, por exemplo. Garrincha, reprovado no teste de QI, provavelmente apresentaria um ótimo desempenho nesta inteligência se esta fosse submetida a um teste psicométrico.
"O controle do movimento corporal está, evidentemente, localizado no córtex motor, com cada hemisfério dominante ou controlador dos movimentos corporais no lado contra-lateral." (GARDNER, 1995, p. 23) Porém é possível acrescentar outras áreas corticais também importantes para a realização do movimento que Gardner deixa de lado. Uma delas é o giro pós-central, onde está localizado o Homúnculo de Penfield sensitivo. É uma representação somatotópica: cada ponto sensitivo do corpo tem uma representação nesta parte do córtex. Por exemplo, a mão, que possui muitos receptores sensitivos, possui uma representação grande no córtex enquanto que o pé, com menos receptores, possui uma área menor. (MACHADO, 1981, p. 219) Deste modo, esta área cortical tem como função sentir, perceber o corpo para que o movimento possa ser harmônico. Outra área importante é o córtex pré-motor, que integra os impulsos motores no tempo, permitindo a criação de movimentos habilidosos, suaves e finos. (LÚRIA, 1981, p. 154)
A inteligência corporal-cinestésica pode ser melhor observada em atores, atletas, mímicos, artistas circenses e dançarinos profissionais.
2.5 INTELIGÊNCIA ESPACIAL
A inteligência espacial é a capacidade de formar modelos mentais (imagens) e operar com tais imagens. A imagem não é necessariamente visual, pode ser construída uma imagem tátil, por exemplo, que é o que geralmente faz uma pessoa cega ao tatear objetos. Esta inteligência lida com atividades como as artes visuais, a navegação, a criação de mapas e a arquitetura.
Enquanto o hemisfério esquerdo do cérebro tornou-se mais lingüístico durante a evolução, o hemisfério direito especializou-se no processamento espacial. A principal área cortical que controle toda esta questão espacial é a região têmporo-paríeto-ocipital. Uma lesão em tal área impede que o lesionado consiga interpretar os ponteiros de um relógio, encontrar sua posição em um mapa ou então orientar-se dentro de espaços fechados. Fica claro o quanto esta a região têmporo-ocipto-parietal é importante para uma inteligência espacial. (LURIA, 1981, p.24)
Engenheiros, escultores, cirurgiões plásticos, artistas gráficos e arquitetos dependem desta inteligência para atuarem com êxito.
2.6 INTELIGÊNCIA INTERPESSOAL
Esta inteligência opera, primeiramente, baseada no relacionamento interpessoal e na comunicação. Envolve a habilidade de trabalhar cooperativamente com outros num grupo e a habilidade de comunicação verbal e não-verbal. Constrói a capacidade de perceber, por exemplo, alterações de humor, temperamento, motivações e intenções de outras pessoas. Em sua forma mais avançada a pessoa consegue ler, mesmo que os outros tentem esconder, os desejos e intenções, podendo ter empatia por suas sensações, medos e crenças.
"Todos os indícios na pesquisa do cérebro sugerem que os lobos frontais desempenham uma papel importante no conhecimento interpessoal. Um dano nessa área pode provocar profundas mudanças de personalidade, ao mesmo tempo em que não altera outras formas de resolução de problemas - a pessoa geralmente ‘não é a mesma' depois de um dano desses." (GARDNER, 1995, p.27)
A inteligência interpessoal é desenvolvida nos professores, terapeutas, políticos e líderes religiosos.
2.7 INTELIGÊNCIA INTRAPESSOAL
Esta outra inteligência pessoal está relacionada aos estados interiores do ser, à auto-reflexão, à metacognição (reflexão sobre o refletir) e à sensibilidade perante as realidades espirituais. Podemos dizer que é a capacidade de formar um conceito verídico sobre si mesmo pois envolve o conhecimento dos aspectos internos de cada um, como o conhecimento dos sentimentos, a intensidade das respostas emocionais, a auto-reflexão e um senso de intuição avançado.
"Assim como na inteligência interpessoal, os lobos frontais desempenham um papel central na mudança de personalidade. Um dano na área inferior dos lobos frontais provavelmente produzirá irritabilidade ou euforia, ao passo que um dano nas regiões mais altas provavelmente produzirá indiferença, desatenção, lentidão e apatia - um tipo de personalidade depressiva". (GARDNER, 1995, p. 28)
Um bom desempenho da inteligência intrapessoal pode ser encontrada em filósofos, conselheiros espirituais, psicólogos e pesquisadores de padrões de cognição.
Estas são as sete inteligências "clássicas" apresentadas no livro "Estruturas da Mente" de Gardner. O autor, posteriormente passou a considerar também outras inteligências conforme podemos observar em diversos artigos na internet. Uma delas é a inteligência naturalística, que é a capacidade do ser humano relacionar-se com a natureza. Outra inteligência "recente" é a pictórica ou pictográfica. Trata-se da habilidade para desenhar. Existe ainda a "inteligência" existencial que, na verdade, é considerada como uma meia inteligência por preencher apenas quatro dos oito requisitos avaliados para assegurar a existência da inteligência. Ela é responsável pela necessidade do homem fazer perguntas sobre si mesmo, sua origem e seu fim.
Uma das características das IM é a independência em grau significativo entre essas múltiplas faculdades humanas. Para explicar esta independência Gardner apoia-se no fato de que, em caso de lesão cerebral, determinadas capacidades são perdidas enquanto outras permanecem intactas. Desta forma, segundo o autor, as inteligências não interferem umas nas outras. (GARDNER, 1995, p. 29-30)
Contudo as inteligências agem de forma integrada. Um alto nível de capacidade na inteligência corporal-cinestésica apenas, por exemplo, não asseguraria a ninguém um sucesso como jogador de futebol. Seria necessário também um bom desenvolvimento da inteligência espacial para realizar bons passes e chutes a gol e também inteligência interpessoal desenvolvida para um bom relacionamento com os companheiros, os adversário e a imprensa. Estas três inteligências agindo de forma integrada provavelmente possibilitariam uma maior chance de sucesso no esporte. Todavia não seria necessário, neste caso, um bom desempenho da inteligência lógico-matemática, por exemplo, com bem demonstrou Garrincha.
Como era de se esperar, as inteligências possuem um desenvolvimento natural. Este inicia no início da vida com a capacidade de padronizar. Isto equivaleria a diferenciar tons na inteligência musical ou apreciar arranjos tridimensionais na inteligência espacial. O passo seguinte é a manifestação das inteligências em sistemas simbólicos: a linguagem nas frases, a música nas canções, a corporal-cinestésica na dança e assim por diante. A medida em que o desenvolvimento avança e surge um ambiente formal de educação, as inteligências passam a ser representadas em sistemas notacionais. São exemplos a matemática, a notação musical, os mapas e plantas e assim por diante. Finalmente o desenvolvimento atinge seu auge na expressão inteligente nas atividades profissionais e de passatempo na adolescência e adultez. As inteligências pessoais parecem não seguir este curso, surgindo muito mais gradualmente. (GARDNER, 1995, p. 31-32)
3. CRÍTICA À TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS
3.1 INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E NEUROPSICOLOGIA
Uma das fontes para a escolha das inteligências propostas acima foi o estudo de como tais capacidades falham sob condições de lesão cerebral. Isto pressupõe que cada inteligência possui uma localização cerebral, mais especificamente cortical. Assim sendo, uma lesão que incapacitaria determinada inteligência, deixaria as demais intactas. A tabela abaixo apresenta um resumo da representação cortical de todas as inteligências consoante vimos ao analisar cada inteligência em particular.
Tabela 1 - Localização cortical das inteligências múltiplas propostas por Gardner.
Inteligência
Área cortical responsável
Lógico-matemática
região têmporo-paríeto-ocipital
Lingüística
área de Wernicke, área de Broca,
região têmporo-paríeto-ocipital (hemisfério esquerdo)
Musical
Lobo temporal (hemisfério direito)
Corporal-cinestésica
Giro pós-central, córtex pré-motor
Espacial
região têmporo-paríeto-ocipital
Interpessoal
lobos frontais
Intrapessoal
lobos frontais
Podemos perceber através da tabela que diversas inteligências são regidas pela mesma área do córtex cerebral. A região têmporo-paríeto-ocipital é responsável ao mesmo tempo pelas inteligências lógico-matemática, lingüística e espacial. As inteligências pessoais também são comandadas por uma única área: os lobos frontais.
Isto invalida a independência das inteligências que Gardner propõe. Imaginemos uma lesão na região têmporo-paríeto-ocipital. Ela acabaria por afetar três inteligências ao mesmo tempo e não apenas uma.
Além disso, neste caso, os desenvolvimentos das inteligências lógico-matemática, lingüística e espacial não aconteceriam separadamente, mas seriam dependentes entre si. LURIA (1981, p. 24-25) desenvolve uma explicação destas áreas como sendo integradoras e essencialmente espaciais. Assim, tanto a matemática quanto a gramática seriam trabalhadas pelo cérebro de uma forma espacial. Uma deficiência espacial tornaria incapazes tarefas de relacionar "espacialmente" os números entre si e construir uma frase trabalhando as relações "espaciais" entre as palavras.
Não se trata das inteligências lógico-matemática e lingüística serem englobadas pela inteligência espacial, mas da aceitação de uma dependência e de uma relação íntima entre determinadas inteligências.
O mesmo ocorre com as inteligências pessoais. É possível perceber que em várias características tais capacidades equivalem-se. Afinal, uma mesma área cerebral é responsável pelas duas. Todo psicoterapeuta conhece e chega mesmo a ser lugar-comum o fato de que só podemos conhecer bem o outro se conhecermos bem a nós mesmos primeiro. Sendo assim uma inteligência interpessoal desenvolvida necessita de uma inteligência intrapessoal também bem trabalhada, o que sugere não existir uma independência entre as inteligências.
3.2 AS NOVAS INTELIGÊNCIAS
"Uma lista de 700 inteligências seria proibitiva para o teórico e inútil para o praticante. Consequentemente, a teoria das IM tenta articular apenas um número manejável de inteligências que parecem constituir tipos naturais". (GARDNER, 1995, p.45) Esta foi a resposta dada pelo autor da teoria das inteligências múltiplas quando perguntado o que impediria a construção de novas inteligências: elas poderiam deixar de ser 7 e tornarem-se 700!
Porém surge a impressão de que o próprio autor está caminhando contra o que afirmou ao apresentar as "novas" inteligências naturalística, pictórica e existencial. Tendo em vista as inúmeras capacidade humanas, por que a escolha arbitrária de algumas delas em detrimento de outras? Se o objetivo era tornar as inteligências manejáveis estando elas em número limitado de modo que o uso prático da teoria possuísse maior eficácia, a adoção de novas inteligências somente dificultaria este processo.
Se Gardner apresenta novas inteligências, nada impede que outras inteligências sejam descobertas - ou criadas - por outros autores. Isto é preocupante pois não parece ser tarefa muito árdua a criação de uma nova inteligência. Para demonstrar esta afirmação, apresento neste trabalho um esboço de uma nova inteligência: a inteligência palato-olfativa.
Podemos considerar tal inteligência como a capacidade de sentir o gosto e o cheiro das substâncias e identificá-las com precisão. Em nossa sociedade esta inteligência seria valorizada nos cozinheiros, enólogos e provadores nas empresas como cervejarias e torrefação e moagem de café. A fim de evidenciar a veracidade desta inteligência, seguirei os critérios para a escolha de um inteligência conforme foram descritos anteriormente.
Um dos critérios é a existência de estudos sobre populações excepcionais, incluindo prodígios. Nada melhor para a provar a existência de tais estudos do que o relato realizado por Oliver Sacks a respeito de um estudante de medicina que, por usar determinadas drogas (cocaína, cloridrato de fenociclidina [PCP] e anfetaminas), passou algumas semanas de sua vida com o olfato e o paladar extremamente aguçados. "Ele descobriu que podia distinguir todos os seus amigos - e pacientes - pelo cheiro. (...) Ele era capaz de cheirar as emoções - medo, alegria, sexualidade - como um cachorro. Podia reconhecer cada rua, cada loja pelo cheiro - era capaz de se deslocar por Nova York , infalivelmente, guiado pelo cheiro." (SACKS, 1997, p.176)
Outro critério é a informação sobre o colapso da inteligência em condição de lesão cerebral. A área responsável pelo olfato possui uma pequena representação cortical na parte anterior do uncus e do giro parahipocampal. Nos casos de epilepsia focal nesta área, o epilético queixa-se de cheiros, normalmente desagradáveis, que não existem. (MACHADO, 1981, p. 220) Uma lesão nesta área leva a uma anosmia, ou sejam incapacidade de sentir odores.
Para aceitar tal inteligência é preciso considerar também os dados sobre sua evolução. Sobre tal assunto, "Freud escreveu em várias ocasiões que o sentido do olfato no homem era uma ‘perda', reprimido no crescimento e na civilização quando o homem assumiu a postura ereta e reprimiu a sexualidade primitiva, pré-genital." (SACKS, 1997, p. 177) Nas obras de Freud tal idéia é encontrada principalmente nas cartas número 55 e 75. A adoção da postura ereta deixava o nariz mais longe do chão e fornecia um maior campo para a visão e para a audição. De fato, a representação do olfato e da gustação passaram a ocupar um lugar pronunciadamente menor no córtex por serem eclipsados pela representação central dos sistemas exteroceptivos superiores, principalmente a visão e a audição. (LURIA, 1981, p. 49)
Ainda devemos considerar o aspecto cultural da inteligência palato-olfativa, que para ser considerada como tal, precisa ser universal. Deste modo temos a culinária, presente em todas as culturas e em todas às épocas. Cada povo possui uma culinária própria onde cheiros e sabores são apreciados ou depreciados e a capacidade da preparação de alimentos crus, fritos ou cozidos é valorizada.
Da mesma maneira todos os outros critérios para a aceitação de uma inteligência - como o conhecimento do desenvolvimento desta inteligência, os estudos psicométricos e os estudos de treinamentos psicológicos - também podem ser encontrados e explicitados da forma como realizada acima.
E, trabalhando de igual modo, poderiam ser criadas tantas inteligências quanto o número de capacidades humanas existentes.
4. CONCLUSÃO
A teoria das Inteligências Múltiplas tem enorme importância ao conseguir derrubar a idéia de uma inteligência única, fechada. A muito a ciência estava impregnada com tal idéia e já era tempo de fazermos uso de uma noção de inteligência mais dinâmica.
Embora ninguém possa discordar das afirmações acima, também esta teoria tens seus erros. Talvez o grande erro seja, tendo em vista as inúmeras capacidades humanas valorizadas em nossa sociedade, escolher algumas ignorando, com efeito, as outras não mencionadas. Por outro lado considerar todas as inteligências seria impossível e inadequado.
Por isso Gardner escolheu um número limitado de determinadas inteligências e acreditou em uma independência entre elas. Tal comportamento foi exemplo típico do pensamento pragmatista americano. Deste modo as inteligências escolhidas poderiam ser trabalhadas de modo mais eficaz.
Porém poderíamos considerar também as inúmeras capacidades existentes em cada ser humano e, sem pretensão de desejar um desenvolvimento total, procurar desenvolver a inteligência em que cada pessoa em particular é mais apta, que não necessariamente precisa estar incluída nas dez inteligências descritas na teoria das IM. Desta forma, o educador - ou qualquer outro profissional que trabalharia com a inteligência- precisaria conhecer melhor cada indivíduo para perceber nele a capacidade que se sobressai. Os resultados provavelmente seriam melhores pois, conforme vimos, a independência pura entre as inteligências não existe e desenvolvendo melhor uma capacidade, outras também seriam afetadas.
Mas este seria um passo mais adiantado. Levando-se em conta a atual situação dos profissionais que, de qualquer forma, trabalham com o aprendizado, a simples adoção da teoria das IM já é mais do que satisfatório.
REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS
GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática 1. ed. Porto Alegre :
Artes Médicas, 1995
LURIA , Aleksandr Romanovich. Fundamentos de Neuropsicologia. 1. ed. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, Livros Técnicos e Científicos Editora, 1981.
MACHADO, Angelo. Neuroanatomia Funcional. 1. ed. São Paulo : Atheneu, 1981.
MODERNELL, Renato; GERALDES, Elen. O Enigma da Inteligência. Globo Ciência, Rio
de Janeiro, v.2, n. 15, p.56-63, out. 1992
SACKS, Oliver. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. 1. ed. São Paulo :
Companhia das Letras, 1997
SPRINGER, Sally P.; DEUTSCH, Georg. Cérebro Esquerdo, Cérebro Direito. 1. ed. São
Paulo : Summus, 1993

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Vygotsky e o conceito de zona de desenvolvimento proximal.

Todo professor pode escolher: olhar para trás, avaliando as deficiências do aluno e o que já foi aprendido por ele, ou olhar para a frente, tentando estimar seu potencial. Qual das opções é a melhor? Para a pesquisadora Cláudia Davis, professora de psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sem a segunda fica difícil colocar o estudante no caminho do melhor aprendizado possível. "Esse conceito é promissor porque sinaliza novas estratégias em sala de aula", diz Cláudia. O que interessa, na opinião da especialista, não é avaliar as dificuldades das crianças, mas suas diferenças. "Elas são ricas, muito mais importantes para o aprendizado do que as semelhanças."

Não há um estudante igual a outro. As habilidades individuais são distintas, o que significa também que cada criança avança em seu próprio ritmo. À primeira vista, ter como missão lidar com tantas individualidades pode parecer um pesadelo. Mas a pesquisadora garante: o que realmente existe aí, ao alcance de qualquer professor, é uma excelente oportunidade de promover a troca de experiências.

Essa ode à interação e à valorização das diferenças é antiga. Nas primeiras décadas do século 20, o psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) já defendia o convívio em sala de aula de crianças mais adiantadas com aquelas que ainda precisam de apoio para dar seus primeiros passos. Autor de mais de 200 trabalhos sobre Psicologia, Educação e Ciências Sociais, ele propõe a existência de dois níveis de desenvolvimento infantil. O primeiro é chamado de real e engloba as funções mentais que já estão completamente desenvolvidas (resultado de habilidades e conhecimentos adquiridos pela criança). Geralmente, esse nível é estimado pelo que uma criança realiza sozinha. Essa avaliação, entretanto, não leva em conta o que ela conseguiria fazer ou alcançar com a ajuda de um colega ou do próprio professor. É justamente aí - na distância entre o que já se sabe e o que se pode saber com alguma assistência - que reside o segundo nível de desenvolvimento apregoado por Vygotsky e batizado por ele de proximal (leia um resumo do conceito na última página).

Nas palavras do próprio psicólogo, "a zona proximal de hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã". Ou seja: aquilo que nesse momento uma criança só consegue fazer com a ajuda de alguém, um pouco mais adiante ela certamente conseguirá fazer sozinha (leia um trecho de livro na terceira página). Depois que Vygotsky elaborou o conceito, há mais de 80 anos, a integração de crianças em diferentes níveis de desenvolvimento passou a ser encarada como um fator determinante no processo de aprendizado.

Trocas positivas numa via de mão dupla.

Com a troca de experiências proposta por Vygotsky, o professor naturalmente deixa de ser encarado como a única fonte de saber na sala de aula. Mas nem por isso tem seu papel diminuído. Ele continua sendo um mediador decisivo, por exemplo, na hora de formar equipes mistas - com alunos em diferentes níveis de conhecimento - para uma atividade em grupo. A principal vantagem de promover essa mescla, na concepção vygotskiana, é que todos saem ganhando. Por um lado, o aluno menos experiente se sente desafiado pelo que sabe mais e, com a sua assistência, consegue realizar tarefas que não conseguiria sozinho. Por outro, o mais experiente ganha discernimento e aperfeiçoa suas habilidades ao ajudar o colega.

"Em algumas atividades, formar grupos onde exista alguém que faça a vez do professor permite que o docente trabalhe mais diretamente com quem não conseguiria aprender de outra forma", afirma Cláudia. "Deve-se adotar uma estratégia diferente com cada tipo de aluno: o que apresenta desenvolvimento dentro da média, o mais adiantado e o que avança mais lentamente." Não se deve, porém, escolher sempre as mesmas crianças como "ajudantes", deixando as demais sempre em aparente condição de inferioridade. "É importante variar e montar os grupos de acordo com os diferentes saberes que os alunos precisam dominar", complementa a psicóloga Maria Suzana de Stefano Menin, professora da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp).

O educador também não pode se esquecer de outro ponto crucial na teoria de Vygotsky: a zona de desenvolvimento proximal tem limite, além do qual a criança não consegue realizar tarefa alguma, nem com ajuda ou supervisão de quem quer que seja. É papel do professor determinar o que os alunos podem fazer sozinhos ou o que devem trabalhar em grupos, avaliar quais atividades precisam de acompanhamento e decidir quais exercícios ainda são inviáveis mesmo com assistência (por exigir saberes prévios que ainda não estão consolidados ou acessíveis).

Fonte: REVISTA NOVA ESCOLA.

domingo, 5 de junho de 2011

TRADUÇÃO: a questão da fidelidade.

O conceito de fidelidade e o texto/palimpsesto.

Relembrando Menard vimos que o tradutor aspirava a uma fidelidade total: pretendia reescrever "Dom Quixote" exatamente como Miguel de Cervantes, repetindo seu contexto histórico e social, circunstências, intenções e motivações.
É impossível resgatar integralmente as intenções e o universo de um autor, exatamente por que essas intenções e esse universo serão sempre, inevitavelmente, nossa visão daquilo que possam ter sido. O foco interpretativo é transferido do texto, como receptáculo da intenção original do autor, para o intérprete, o leitor ou o tradutor.